terça-feira, 22 de março de 2011

NALF entregou Prémio de Poesia

No âmbito das II Jornadas Literárias, que concluiram esta segunda-feira, no Teatro-Cinema de Fafe,  o Núcleo de Artes e Letras, que colaborou na iniciativa, aproveitou para entregar o Prémio de Poesia, para obras publicadas nos anos de 2009 e 2010, ao jovem Tiago Patrício, que se deslocou de Lisboa para receber o seu justo galardão, pelo brilhante livro Cartas de Praga.

Os nossos parabéns e agradecimentos pela sua presença!

A Ilusão do Breve, de Almeida Mattos: Um livro de maturidade

No âmbito das II Jornadas Literárias de Fafe, que decorreram auspiciosamente entre 14 e 21 de Março em diversos palcos culturais e educativos do município, foi lançada a mais recente obra poética do fafense António de Almeida Mattos, associado do NALF, com o título A Ilusão do Breve. Mais uma soberba edição da editora fafense Labirinto.
O livro, que tem desenhos singulares do artista Júlio Resende e belo design da filha Mariana, surge exactamente duas décadas após Conjuntivo Presente (editora Afrontamento, 1991). Antes, Almeida Mattos havia editado Golpe de Sol na Lucidez Amarga (1985) e O Quinto Elemento (1987).
A Ilusão do Breve é, assim, o quarto livro poético de um autor marcado pela preguiça e pelo trabalho esparso. Um poeta bissexto, diríamos.
Na apresentação, que decorreu na Biblioteca Municipal de Fafe, a professora doutora Isabel Pires de Lima, amiga do autor e de Fafe, onde regressou com grande alegria, considerou a obra “um livro de maturidade”, no qual se adivinham alguns balanços e ajustes de contas com o tempo, a memória e a vida. O próprio título da obra confirma essa ideia geral.
O autor volta também, nela, aos lugares comuns da sua trajectória poética. Por exemplo, o encontro entre o eu e o tu, um dos mais belos textos para Isabel Pires de Lima:

Há uma urgência de tu que me procura
ao mais pequeno ensejo, inusitada.
E em todo o lugar é sempre altura
de acender a luz à madrugada. (p. 48)

Outro dos lugares comuns será a sensorialidade da poesia de Almeida Mattos; uma poesia dos sentidos:

Certos no fruir de pêlo a pêlo
toda a pele em febre, sequiosa
em suor de prazer, no que modelo
novelos de nervuras acirradas
ao limite da dor, até ruptura
que fosse do sentir multiplicada
por fome, sede, morte de ternura. (p. 28)

Outros dos aspectos a considerar é a atenção às sonoridades: a poesia do autor é música, integrando consonâncias, aliterações, rimas:

Ao lábio lento, leve, ágil, sábio
a melodia branda que enfeitiça
no trilar hábil. Incauta se abandona
já de si própria ferida.
E dentro oscila a procurar-se enferma
de seu enleio, a suspensão cativa
flébil modula a explosão serena,
débil usura, a seiva soma
o som, a vida. (p. 47).

Isabel Pires de Lima aludiu à atenção do poeta para o acto criativo e o poder criador da palavra:

Quero dizer-te ainda que a memória
constrói este desejo: a linha enovelada
de tanta sensação, no corpo inscrita
por sentidos argutos e por mitos,
que se convoca agora, aqui – diria: sempre
houvesse algum limite nas palavras.
Aqui, agora, disse, quando digo,
e já tempo e lugar serão diferentes. (p.16)

Estamos perante um ajuste de contas com a memória, num “escavacar constante do poema”.

Tudo quanto te digo é só memória
que recupero e projecto contra a lâmina
a cortar vida no momento exacto,
finíssimo, restrito do presente.
E tudo quanto digo era passado
sendo que foi o que seria sendo. (p. 13)

Neste poema está todo o livro. É uma espécie de metáfora de todo o seu conteúdo, fundindo os tempos, o passado e o presente.
Um livro que experiencia algum desencanto, a ilusão da breve eternidade do amor.
Uma obra breve (60 pp.), mas enorme no seu dizer poético, na aventura da palavra, no alongamento da memória, na exegese literária que a conforma, nos grandes temas com que se confronta, e todos nos confrontamos: a vida, a morte, o amor, o passado, o futuro. O sentido de tudo isso, ou o absurdo de que se tecem os dias.
Um livro que enriquece a literatura nacional e enobrece um dos maiores poetas fafenses da actualidade, sem qualquer dúvida.

Fotos: Manuel Meira Correia

sexta-feira, 4 de março de 2011

PRÉMIO DE POESIA DO NÚCLEO DE ARTES E LETRAS ATRIBUÍDO A OBRA DE JOVEM POETA

Reuniu hoje, 4 de Março de 2011, o Júri do Prémio de Poesia do Núcleo de Artes e Letras de Fafe, instituído como forma de homenagear, promover e divulgar este género maior da literatura portuguesa e destinado a galardoar o melhor livro de poesia submetido a concurso e publicado entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2010.
O Júri integrou o Prof. João Amadeu Oliveira Carvalho da Silva (Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa), o Dr. João Ricardo Lopes (professor e escritor, em representação do NALF) e o Dr. César Freitas (professor da Escola Superior de Educação de Fafe - IESF).
Presidiu, em representação do Núcleo de Artes e Letras de Fafe e sem direito a voto, nos termos do regulamento, o Dr. Artur Coimbra, Presidente da Direcção.
Analisadas as sessenta e oito obras concorrentes, provenientes quer de Portugal, quer do Brasil, o Júri deliberou, por unanimidade, atribuir o Prémio à obra Cartas de Praga, de Tiago Patrício, considerando tratar-se de uma obra que, do ponto de vista orgânico, se impõe pela sua elevada coerência, bem como, ao nível do conteúdo, demonstra originalidade, grande fôlego poético, sentido de procura e inquietação metafísica, libertação do quotidiano, complexidade na abordagem temática, características enriquecidas por uma assinalável riqueza imagética.
Cartas de Praga é uma edição bilingue (português/inglês), tendo o texto sido seleccionado pelo concurso Jovens Criadores do IPJ e do Clube Português de Artes e Ideias e apresentado em Skopje, Macedónia, na Bienal de Jovens Criadores da Europa e do Mediterrâneo, em Setembro de 2009.
O poeta, Tiago Manuel Ribeiro Patrício, nasceu em 1979 no Funchal, passou a infância e adolescência em Trás-os-Montes, entrou para o curso de oficiais da Escola Naval em 1998 e licenciou-se na Faculdade de Farmácia em 2007.
Fez escrita criativa, colaborou em colectâneas de jovens escritores, venceu o prémio nacional de poesia Daniel Faria, com o Livro das Aves, publicado pela Quasi em 2009.
Autor de peças infantis de teatro, frequenta o mestrado em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Pode, assim, afirmar-se que a um poeta laureado e no final de carreira, como António Ramos Rosa, que venceu a primeira edição do prémio, sucede um jovem e promissor poeta, Tiago Patrício, que termina o seu breve livro com o poema

A abolição das fronteiras

As fronteiras eram belas
cheias de mulheres fardadas
de cores fortes e madeixas imperativas
que ansiavam ser atravessadas
Fronteiras solenes quando cobertas de frio
no aperto da multidão
como trincheiras forradas a papel em triplicado
e semeadas de vida em trânsito

Eram fábricas de nacionalidades
com carimbos espalhados pela periferia
em linhas acidentais entre as montanhas
Eram a máxima descentralização de um estado
a exterioridade até às costuras
para conter a implosão do território
Essas mulheres a desfiar um sorriso de vidro
e a ordenar um amor impuro aos expatriados

(Cartas de Praga, p. 63)