quinta-feira, 14 de abril de 2011

Ainda o Dia Mundial da Poesia. Texto de Tiago Patrício

Hoje celebra-se o dia mundial da Poesia e gostaria de fazer uma felicitação sincera por este evento magnífico, aqui na cidade de Fafe, com tanta gente e de tantas idades à volta da poesia, ainda por cima com vários jogos de futebol a decorrer algures lá fora, noutros mundos.
Gostaria de focar apenas dois pontos, um deles relacionado com o livro “Cartas de Praga”, premiado pelo Núcleo de Artes e Letras de Fafe e o outro sobre a dedicatória que queria fazer a um poeta amigo, que vive na Síria e estará neste momento a lutar pela liberdade no seu país e não apenas pela liberdade poética.
Esta noite, neste belíssimo Teatro-Cinema, ouviram-se poemas inéditos e consagrados, conjugaram-se alimentos com elementos, depois entrámos pelas ruas, moradas, códigos postais e luares nascentes, até chegarmos aos mais preciosos poemas de amor e de aspirações ao infinito.
É assim a poesia possível e sempre livre num país que nem sempre o foi. Por isso, quando se diz que os poetas fazem tudo aquilo que não é essencial ao mercado e que a importância da poesia aparece na proporção inversa aos graus de liberdade de uma comunidade, estamos a entrar num campo que muitos de nós não conhecem ou já se esqueceram.
Lembro-me muitas vezes do que este poeta Sírio me disse da primeira vez que nos encontrámos – Em tempos de guerra devemos escrever poemas sobre a paz, a libertação, o amor e a esperança e em tempos de paz, devemos relembrar os que ainda sofrem em silêncio, os conflitos latentes e o perigo do esmorecimento. Devemos ser exigentes com a poesia em tempos de paz, meu amigo!
Mas neste estado ambíguo, nestes tempos de traição? O que deveremos escrever?
Nunca lhe consegui perguntar mas acho que encontrei a resposta a partir das circunstâncias em que o livro “Cartas de Praga” surgiu.
Durante o período de residência em Praga, em 2007, frequentei o curso de Checo na Universidade Karlova e duas vezes por semana dirigia-me ao centro da cidade para as aulas. Quando regressei a Lisboa inscrevi-me no curso de Língua e Cultura Checa da Faculdade de Letras e continuo matriculado até hoje, apesar de não passar do nível de conversação básica, de supermercado ou de paragem do eléctrico.
Uma vez uma professora do Departamento de Filosofia perguntou-me o motivo deste investimento numa língua sem grande expressão no pensamento ou nas artes. Kafka escreveu as suas principais obras em Alemão e Kundera escreve em Francês desde que abandonou a Checoslováquia.
Lembro-me que na altura não lhe consegui responder, mas fiquei a pensar nas razões que me levam a insistir no contacto com esta língua Eslava e a regressar a Praga para uma nova residência, neste Verão de 2010, onde fiz a primeira apresentação do livro, “Cartas de Praga”.
Acho que agora talvez consiga perceber e relacionar isso com o meu interesse pelas viagens e pelos grandes acontecimentos que marcaram o homem. Eu gosto de aprender línguas, neste caso o Checo, não para perceber o que os Checos dizem ou pensam, mas para entender as paisagens, os amanheceres e os destinos dos comboios em que gosto de entrar clandestino. Porque nestes tempos de traição, as paisagens dizem muito mais do que os discursos.
Por isso escrevo sobre a geografia dos lugares, sobre as marcas de sangue das multidões em fúria, escrevo para atrair com belas palavras no princípio dos textos e para retirar o tapete no fim, para despir, para fazer uma ponte entre o vazio e o acaso trágico que nos arrasta para o erro e para o vício mortal de carregarmos com títulos ou sobrenomes. E para relembrar que a poesia é o perfeito exercício da inutilidade e contudo, como é bela e terrível essa tarefa e essa constelação de palavras exactas a brilhar, quando fechamos os olhos e no silêncio vemos e ansiamos pelo indescritível, o poema sempre inalcançável.

Tiago Patrício
(vencedor do Prémio de Poesia do Núcleo de Artes e Letras de Fafe)

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